domingo, 3 de abril de 2011

Marta, a gordinha.

Marta era uma garota nada convencional. Gordinha, ela nunca usava uma roupa de banho e sempre tinha vergonha de peças que mostravam alguma parte de seu excesso de pele. Era tímida e vivia com um complexo de que alguém sempre falaria mal de sua aparência. E isso era verdade. As pessoas costumam ser más com quem é fora dos padrões do aceitável. E isso a deixava insanamente triste.
Essa garota tinha um irmão mais velho, chamado Carlos. Esse rapaz vivia um momento muito triste de sua vida, estava com câncer, em estado terminal. Ela já o vira se retorcer de dores, passar horas acrocado ao lado do vaso sanitário, cuspindo sangue e sabe-se lá mais o que, vira-o perder todo seu cabelo, aquilo que ela sempre mais achou bonito nele,  e o vira ser internado a força em um quarto de hospital, onde passara seus últimos meses.
Marta simplesmente não conseguia entender como essas coisas poderiam acontecer. Ela não entendia como Deus era capaz de simplesmente decidir que uma pessoa adoecece, de como Ele permitia que uma pessoa tivesse dificuldades em emagrecer, de como aquele Alguém poderia permitir tanta desgraça nesse mundo.
Estava cansada, e ao mesmo tempo envergonhada. Sim, além da vergonha de seu corpo, tinha vergonha de achar que sofria, enquanto seu irmão, quem verdadeiramente teria motivos para odiar o mundo, vivia sorrindo e cantando.
Certa vez ficou encarregada de cuidar de seu irmão no hospital. Ele não andava muito bem, mas mesmo assim não deixava de se esforçar para sorrir pra ela toda vez que o observava. Inquieta, questionou como poderia ele estar tão calmo assim, perante tanta desgraça. Como ficava contente com um Deus que o castigava de tal maneira. Serene, Carlos abriu-se a falar:
- Marta, quem somos nós pra tentar adivinhar a mente Dele? Nós nos julgamos desenvolvidos, superiores, mas na verdade ainda temos muito caminho pela frente até chegar ao momento de compreendermos algo dessa coisa que chamamos de vida. Eu acredito que temos motivos para passar por esses desafios a que somos impostos. Não existem pessoas que acreditam que vivemos outras vidas? Então, esse não é o fim, maninha. De que adiantaria eu reclamar, sofrer, gritar que esse mundo é injusto, que não aguento de mais dores, de como eu queria estar em outro lugar e saudável? Não, acredito que isso me foi imposto como uma prova. Um teste de que sei manter minha fé, minha paciência, meu caráter diante de qualquer situação.
- Mas veja, você mesma tem suas provações. Ou você acha que conviver no mundo normal é fácil? Que nunca nos são apresentados desafios? Você acha que é assim, simplesmente porque Deus quis que fosse? Pare melhor e pense , Marta. Existem muitas coisas que desconhecemos. Estamos em busca dessas respostas, mas nos é muito limitado ainda.
- Todos nós temos em nosso peito a resposta de nossos desafios. Quando fazemos alguma coisa que achamos certo, não sentimos algo como uma luz brilhando forte lá no nosso coração? Não sentimos uma certeza como nunca temos? Não nos sentimos, acima de tudo, bem? É assim que me sinto em suportar isso de maneira consciente. Reclamar não é uma solução, é um agravante. Além disso não sou o único a sofrer nesse mundo, até quem eu penso que nunca sofre, em seu íntimo, tem algo de que poderia se queixar, mas não o faz, suporta. É por isso, maninha, que não perco minha fé e que tenho certeza que não sou digno de julgar os planos que a vida fez para mim. Sabe-se lá o que está reservado.
Marta ficou sem palavras. Não esperava tal resposta. Começou a pensar em todas as vezes que deixou de aproveitar alguma coisa por vergonha. Vergonha do que diriam, se ririam ou não dela. Na realidade era ela mesma quem se aprisionava. Ela sentia vergonha dela mesma. Será que se ela fosse magra não faria piada de quem era acima do peso? Mas o que fazia para mudar isso? Ficar se escondendo e deixando de viver por ser obesa? Seu irmão tinha um problema bem pior que o dela, e mesmo assim não se queixava, suportava.
De repente sentiu aquele calor irradiando de seu peito, aquela certeza que Carlos havia falado. Ainda assim sentia medo. Mas a luz que imaginava saindo de seu peito era mais forte do que qualquer medo, era superior a qualquer outra certeza que tinha. Ela tinha que suportar, não reclamar.
Seu irmão partiu alguns meses depois. Mas a tristeza que deixou não foi de uma injustiça. Com sua coragem e sua paciência conseguiu mudar todos a sua volta, inclusive ela. Agora ela não tinha mais medo de tomar sol, de nadar com seus amigos. Mas também não se deixou acomodar. Estava buscando a saúde, acima de tudo. Perdera peso, sim. Estava se exercitando e obtendo uma aparência mais "aceitável". Aceitável apenas para quem se baseava em estereótipos, pois para Marta a vida havia passado para muito mais além de relacionamentos, compras e status. Agora a vida tinha outro sentido, o sentido da aprendizagem, o sentido do bem-estar, do respeito e da preservação. Carlos jamais soube, mas com um simples gesto conseguiu mudar todo seu ambiente.
É incrível, pensava ela, como pensamos ser apenas mais um na multidão. Mas se esse um se esforça, tem a capacidade de influenciar toda a multidão que o cerca. Cada um afeta o seu próximo, seja para o bem ou para o mal. Seu irmão havia influenciado muita gente para o bem, e assim ela queria ser. Marta nunca teve uma luz tão forte irradiando de seu peito, como quando pensava no bem que poderia fazer. E para isso, bastou tomar a iniciativa.

3 comentários:

  1. Muito bom o texto, cara! fez-me lembrar muito do clipe "firework"...
    Boa a lição, parabéns!

    Fabiano Folster

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  2. Eai Cara!
    Pois então, foi pensando sobre aquele clipe que eu escrevi esse texto. Eu vi ele pela primeira vez e achei a mensagem muito legal, parecida com alguns pensamentos que eu tinha. Aí adaptei pra uma história diferente.. =)
    Valeu por ter lido! Abs

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  3. CARALHO que texto!!!!! Tu é FODA garoto!!!!! Desculpa estragar o comentário com palavrões, mas não há palavras mais intensas para expresar a minha reação ao ler!!! =) Muito bom mesmooo!!!! Parabéns!!! Beijos, Rafa ^^

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