segunda-feira, 25 de abril de 2011

Aquela tarde de verão

- PRIMEIRA PARTE - 

CAPÍTULO I
- Beaufort, Carolina do Norte -



           Aquele era para ser um fim de semana tranqüilo, visitando a casa dos pais de Philip, seu melhor amigo ali nos Estados Unidos. Eduardo, havia um ano já, fora admitido na Universidade de Princeton, em Nova Jersey. Quando isto aconteceu, ele sentiu-se flutuar: seu maior sonho estava sendo realizado. Foi admirado em sua cidade natal, um pequeno e charmoso vale, no centro de Santa Catarina, Brasil. Era o primeiro a chegar tão longe, por isso era exaltado. Carlos, seu pai, um homem de meia idade, com os poucos cabelos que lhe restavam grisalhos, um corpo cansado de sua dura batalha na vida, lhe custeara o alto valor de sua educação sem mais delongas, afinal era um dos homens mais ricos da cidade, o que significava algo, levando em conta o alto padrão das famílias que ali viviam.
            Todos colocaram expectativas sobre ele, e Eduardo jamais os decepcionou. Não era um dos melhores de sua classe, porém estava quase lá. Apesar de seu grande interesse pelos estudos, sempre teve vários amigos, com muita facilidade. Digamos que ele enxergava as pessoas de outra maneira, por isso sempre ajudava quando possível, e colecionava gratidão por onde passava. Muitos de seus amigos haviam feito escolhas graças a seus conselhos, e estavam muito contentes com as decisões que tomaram.
            Com Philip não era diferente. O jovem americano, loiro, de olhos azuis-claros, mais alto que o amigo, e mais branco da mesma forma, tinha acabado como seu colega de quarto no início do termo letivo anterior. Quando se viram pela primeira vez, parecia que já eram amigos de muitos anos. Esta sensação acabava sempre acontecendo com Eduardo, dependendo com quem ele encontrasse. Aliás, isso já nem o incomodava mais, pelo contrário, fazia-o tratar estas pessoas como se realmente já fossem amigos há longa data. Sabia de início em quem poderia confiar, ou com quem deveria pensar duas vezes antes de confessar algo.
            O jovem colega de quarto, graças a Eduardo, havia mudado completamente suas opções de curso e descobrira sua real vocação. Havia entrado com intenção de se formar um engenheiro, como seu pai, mas acabara rumando para a área da economia, que descobriu ter enorme aptidão, após dar ouvidos aos conselhos de seu amigo brasileiro.
            Mas eles não queriam saber de economia, e muito menos sobre finance, que era a área cursada por Eduardo, ou Eddy, como seus amigos americanos o chamavam. Eles estavam em Beaufort, na Carolina do Norte, cidade Natal de Phil. Era uma tarde linda de agosto, algumas semanas antes do início de suas aulas. Após muita insistência, Seu Carlos finalmente concordou em permitir que seu filho voltasse antes para a América, para então conhecer os Smith. E ali estavam eles, dirigindo pelas lindas ruas daquela cidade pitoresca, tipicamente americana, e Eduardo apreciava cada cenário com extrema admiração.
            Adorava conhecer culturas diferentes, mas a americana era a que, de longe, lhe causava mais admiração. Ficava estupefato com suas residências, seu estilo único de vida e o sonho que eram as cidades de subúrbio que cresceu assistindo em filmes hollywoodianos quando mais jovem. Mas não era daí que vinha seu interesse neste país singular. Na verdade ele já não conseguia lembrar de onde vinha esse desejo, essa obsessão com esta nação continental, que ele cultivava em seu peito. Bom, talvez ele soubesse...
            Seus pensamentos foram interrompidos quando o Corolla de Phil parou a frente de uma casa não tão colossal como as várias vistas por eles no caminho até ali, mas que tinha aquele charme que só ele, que viera de outro país, conseguia enxergar. Era uma residência de dois pavimentos, uma varanda na frente, uma garagem do lado com espaço para dois carros e um jardim cuidadosamente impecável, sem muros ou cercas. E, é claro, em um dos espaços disponíveis da frente estava pendurada aquela costumeira bandeira de listras brancas e vermelhas, mostrando o patriotismo que os americanos tanto cultivam.
            - Bem vindo ao meu lar! – exclamou Phil. Ainda estava se acostumando com o inglês, após um longo período no Brasil.
            Após uma longa apresentação aos pais do colega de quarto, com muitos risos e promessas de passeios, Ed foi levado ao quarto de hóspedes, um cômodo no segundo pavimento, não tão glamuroso como o resto do interior da casa, mas que ele teria passado a vida sem reclamar. Realmente tudo parecia como nos filmes. As ruas, as calçadas, a vegetação local, o píer, os barcos, as casas... Ele estava em êxtase e muito ansioso para sair e conhecer o resto da cidade, os amigos de Phil e os costumes locais.
            Mas acima de tudo tinha algo que lhe chamava. Uma ansiedade maior, além de conhecer a cidade. Aquela voz que sempre falou em seu peito, nas diversas noites em que, deitado em sua sacada, na tão longínqua Joaçaba, sonhava com o dia em que conheceria os Estados Unidos, hoje gritava mais alto do que nunca. Ele havia notado que esse chamamento, essa angústia vinha aumentando ultimamente, mas jamais soube explicar o por quê disso. A última vez que lhe ocorreu o mesmo, e ainda assim mais fraco, foi quando recebeu a carta de admissão e se preparava para a grande viagem. Sua mente vagou em pensamentos, tentando buscar uma resposta para esse mistério.
            E foi assim, deitado na cama, olhando pela janela para esse mundo tão diferente de suas origens, que Eduardo deixou o cansaço da viagem tomar conta e se deixou adormecer, sem se preocupar que ainda estava vestido com as roupas com que chegara, ou com que horas eram...

            - Eddy? – chamou uma voz conhecida. Eduardo abriu os olhos, havia tido um sonho estranho. Havia sonhado com sua mãe. Isabel havia falecido há muitos anos, quando ele ainda era uma criança. Em seu sonho ela lhe falava algo, estava feliz...
            Olhou em volta. De repente sua memória voltou, como um flash. Ele estava na casa de seu amigo, em Beaufort, realizando seu sonho de conhecer uma cidade tipicamente americana. Phil estava com a cabeça aparecendo na porta entreaberta que dava para o hall. Despreocupado, falou:
            - Cara, o café da manhã está quase servido. Está com fome? – Ed ficou sem entender. Provavelmente Philip havia confundido. Olhou para seu rádio-relógio, que marcava oito horas da manhã. Percebeu que estava coberto com uma manta e que ainda usava as roupas com que havia chegado ali. Subitamente uma incompreensão estampou-se em sua face. Seu amigo provavelmente a notou, pois completou – Minha mãe veio te chamar para jantar, ontem a noite, mas você estava dormindo tão profundamente que ela te cobriu com essa manta, e te deixou aí, assim mesmo, ela não queria perturbar seu descanso.
            - Ah – disse o brasileiro. Um rubor invadindo seu rosto. Havia dormido por um grande período de tempo – Gostaria de tomar um banho antes, se possível.
            - Claro! O banheiro é a última porta à esquerda do corredor.
            Assim que Phil saiu do quarto, Eduardo pôs-se de pé e inflou o peito com um ânimo de deixar qualquer um tonto. Olhou pela janela, ele estava nas nuvens, o dia estava apenas começando.
            Após o banho, ele desceu para um café da manhã com ovos, bacon e panquecas, quase um almoço para seus costumes.
            Hoje, ele iria conhecer alguns amigos de Phil. Estavam atrasados, e ele admitiu ser a causa mais provável deste atraso. Não conseguiu ser tão rápido como planejara no seu banho, mas saiu renovado.
            Embarcando no Corolla novamente, dirigiram-se a uma região central da cidade. Fazia outro dia claro naquele lugar dos sonhos, o que lhes proporcionou vestir roupas leves. Eles iriam se encontrar em uma lanchonete, e depois iriam para um passeio em seus lugares favoritos.
            O jovem estava tão emudecido com os cenários a que era apresentado que só percebeu que haviam chegado quando não ouviu mais o baixo ruído do motor. Sem demora, entrou com Phil na pequena lanchonete que haviam parado. Em uma mesa ao fundo estavam quatro jovens sentados, dois rapazes e duas garotas, mas uma delas, a que tinha a pele mais clara, contrastando com o negro de seus cabelos e o verde de seus olhos, parecia com alguma figura familiar. A voz no peito de Eduardo não gritava mais, ela estava além disso, parecia saltar por sua garganta conforme se aproximava da mesa.
            De repente veio a sensação, aquela sensação com que já estava acostumado, que várias vezes lhe acometia quando encontrava alguém que não conhecia, mas que parecia conhecer. E sabia o que viria em seguida.
            No momento em que a jovem viu Phil e pôs o olhar em Eddy, ele soube. Ela também estava sentindo o mesmo que ele. Ambos não conseguiam tirar os olhos um do outro. Mais tarde ele tentaria lembrar se respirava, pois naquele momento olhar aquela musa era tudo que conseguia. Foi como se um feitiço houvesse sido lançado sobre ele, que o impedia de desviar o olhar, de perceber o que acontecia a sua volta. E cada vez se aproximava mais da mesa.
            Um a um, Phil os introduziu. Ele cumprimentou todos, mas sem tirar os olhos daquela figura interessante, que fazia o mesmo. O olhar dela era profundo, como se ambos soubessem que algo grande estava para acontecer. Seu peito pulava descontrolado, sentia seu coração disparar.
            - ...E esta é Gabriela... – foi tudo que ele pôde ouvir. Sabia o que aconteceria, estava ansiando por isso desde que entrara naquela lanchonete e a vira. De repente soube o que a voz quis dizer por todos esses anos, ecoando em seu peito. Ela dizia para ele chegar a este lugar, este momento, ver esta misteriosa garota.
            Lentamente ergueu sua mão, tentando disfarçar sua intensa ansiedade. Ela o seguiu. Ele a tocaria e sabia o que viria. Calmamente eles tocaram suas mãos, como em um romance, ambos se encarando, e foi quando aconteceu... 

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