sábado, 26 de junho de 2010

O radio na cozinha

Era uma manhã como qualquer outra de domingo. Eu estava dormindo, quando de repente fui acordado por uma música estranha, não porque estava alto demais, simplesmente me acordou. Comecei a me concentrar para identificar aquela música: era italiana, tão típica como se lá eu estivesse. Aí que me recordei de onde estava. Aquelas paredes de madeira, aquela cama grande e macia, aquele ambiente tão amado. Eu estava na casa do "Nono Pedro" e era ele quem havia ligado o som, como sempre fazia todos os dias, desde que me dou por conta.
Animado, levantei e lá estava ele, com um sorriso a me receber, seus pés virados para seu fogão a lenha (costume dele), esquentando-os naquele dia frio de inverno das férias de julho. Sobre a mesa uma fartura típica de famílias descendentes de italianos. Eu me sentia muito feliz e seguro ali.
Há dois anos atrás teve um derrame e perdeu o movimento das pernas e de um braço. Mas isso não o deteve, pois ele continuou lutando (e acordando cedo aos domingos para ouvir suas músicas prediletas).
Daquela vez, me lembro como se fosse ontem, eu estava dormindo na sala, quando começou um alvoroço naquela humilde residência no meio do nada, no interior do interior. Fiquei preocupado, pensei que a hora tivesse chegado. Felizmente eu estava errado. Mas naquele domingo não houve rádio ligado...
Pois então continuamos nossas vidas, felizes pro tê-lo, mesmo que debilitado, ao nosso lado por mais tempo. O dia em que eu passei na UFSC ele estava lá e, feliz, me parabenizou por mais esta conquista. O Nando, como ele me chamava, estava indo embora, estudar na Federal.
E eu vim, e forçosamente tive de me distanciar. Agora não ia mais todo mês para lá e quando eu ía era apenas nos domingos. Já não ouvia mais aquele tão querido rádio nas manhãs de domingo.
Mas daí eu tinha outra felicidade. SEMPRE, independente da ocasião, que íamos para lá, meu querido avô sempre estava em sua varanda, nos esperando em sua cadeira de rodas, e quando eu chegava para cumprimentá-lo me puxava num abraço demorado para perto dele. Naquela época eu não sabia o quão importante isso seria para mim algum tempo depois.
Foi na última páscoa, primeiro grande feriado do ano, em que eu o vi pela última vez... Fomos "no Nono" e, como sempre, lá estava ele na varanda e com um grande abraço me recebeu. Foi um dia bom, a família reunida, o carinho de sempre, aquele sentimento de segurança e felicidade...
- Eu sonhei que meu amigo me dizia que depois desta páscoa eu iria morrer. - disse ele entre um momento de risos. Pobre coitado, foi xingado. "Não diga besteiras!" replicaram todos. Ah se soubéssemos...
Isso passou e ninguém deu importância. Eu muito refleti nisso, devido a minhas crenças, mas desacreditei, também.
Nas várias ligações que recebia de casa, às vezes recebia uma notícia como "O Nono não anda muito bem". Mas nunca pensei que ele REALMENTE não andava muito bem.
Em uma sexta como qualquer outra, às 17h de um dia normal, eu recebi uma ligação dizendo que "se eu quisesse" era para pegar um ônibus e ir para casa que meu avô não aguentaria nem aquela noite. Gelei.
Saí correndo da academia e corri desenfreadamente para a rodoviária e lá esperei das 19h até as 23:45 pelo único ônibus disponível. Quando pus meu pé dentro do veículo, foi quando meu celular tocou e recebi a notícia que tornaria aquele o fim de semana mais triste do mundo.
Pensei que eu não poderia ficar pior, mas quando entrei e vi meu "Noninho" dentro daquele caixão, meu mundo desabou. Foi um sábado triste, de muito choro, muitas lembranças e muito carinho. Eu não pude me despedir de meu avô, mas sei que ele ouve minhas orações constantes. Também sei que ele está num lugar muito melhor, ao lado do amigo dele e perto do Zago, outra grande pessoa que recentemente partiu. Mas o vazio fica e a saudade, enquanto vivo, jamais será sanada.
Ainda vou continuar relembrando episódios que me farão rir e chorar logo em seguida. Vivi apenas 20 anos ao lado dele, mas que foram suficientes para despertar um carinho sem par. Meu último avô vivo se foi, mas deixou sua marca em meu peito.
Nono Pedro, eu te amo. Sei que por muito tempo não ouvirei mais aquele seu radio ligado na cozinha de sua casa, mas me aguarde, porque um dia quem vai até aí te dar um abraço bem demorado, sou eu.

Em memória aos 70 anos de idade, 50 anos de casado, 20 anos ao meu lado, como meu avô, e 1 semana de falecimento de Pedro Martins Bugança.

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