Era uma manhã chuvosa, típica de um outono que se perpetuava nos curtos dias de abril. Dentro de um pequeno apartamento, encontrava-se um jovem pensador deitado sob os cobertores e aproveitando as poucas horas de folga que teria neste frio sábado.
De repente uma música invadiu seus ouvidos, uma melodia diferente daquelas as quais estava acostumado a ouvir nos últimos tempos. Procurou de onde vinha aquele som, até encontrar sua origem na tela de sua televisão. Tratava-se de um comercial qualquer, mas de muito bom gosto. Fechou seus olhos e pôs-se a ouvir "Heaven, I'm in heaven...". Um clássico.
Este rapaz adorava clássicos como este, que remontavam a cenas de filmes antigos (os quais também era muito fã). Conseguia se ver em um caro restaurante na antiga New York, New York de Frank Sinatra, jantando com uma linda jovem em um encontro à moda antiga. Engraçado como sua imaginação era fértil e rápida.
Mais rápida ainda, foi a lembrança que veio com esta outra melodia.
Manhãs, tardes, noites e madrugadas de anos anteriores nos quais sua única preocupação era sonhar e lutar por seus objetivos. Lá de volta em sua cidade do interior, localizada em um longínquo vale no meio dos campos de um nada. Quando ir caminhando 5km até sua escola era uma atividade prazerosa. Quando se tinha pouco, mas o que era preciso. Quando pensava estar ousando demais em querer ir longe.
Já naquele tempo imaginava-se em um lugar totalmente distante, queria conquistar o mundo, e sabia por onde começar, motivo este que o fez criar foco e se esforçar para chegar ao seu ápice.
Ah, como se sentia bem ao fantasiar sua trilha sonora ao som dos melhores clássicos do Mestre Sinatra. Seu corpo encontrava-se no meio do nada, mas sua mente voava pelos arranha-céus americanos, as montanhas de Alberta, as paisagens canadenses.
O tempo voou e sua ansiedade crescia proporcionalmente. Já nem esperava mais, quando em uma noite na qual estava com um de seus melhores amigos, resolveu abrir seu e-mail e viu o título de uma nova correspondência que lá encontrava-se. "Admission Letter" era o título. Paralisou. Tudo o que conseguia explicar para seu amigo que o questionava do motivo de estar com os olhos arregalados era "Cara... Cara..."
Era indescritível a sensação que passava por seu corpo ao ler "We are pleased to announce that you've been accepted...". De repente seus sonhos tornavam-se realidade. Uma euforia subiu da ponta de seus pés, passando pelas suas pernas, seu tronco, seus braços, até arrepiar o último fio de cabelo. Não conseguia se segurar. O garoto acordou meio mundo, às duas da manhã, para avisar. Ele havia sido aceito na universidade americana! Superação era o nome do que sentia naquele instante.
Não bastasse isso, o mesmo sentimento, a mesma alegria, a mesma euforia ao ler as mesmas palavras de outro e-mail algum tempo depois. Ele havia sido aceito na universidade canadense.
Agora conseguia entender todos aqueles filmes hollywoodianos. Conseguia se colocar no lugar deles, se sentia honrado da oportunidade. Saiu no jornal da região, seu peito enchia-se de orgulho.
Mas seu coração também pesava ao ouvir o apelo de sua avó: "Não vá, meu filho. Vou sentir muita falta de você. É muito longe". Claro, as viagens para casa teriam que ser reduzidas para no máximo duas vezes por ano. Talvez passaria anos sem ver sua família de novo. Coisas nas quais não havia pensado antes, devido ao tamanho de sua conquista, mas que agora faziam toda a diferença.
Por fim, haviam assuntos a serem tratados. Havia passado em uma universidade na capital de seu estado, e prometeu conhecê-la. Ledo engano ao achar que não se deixaria levar. Ao conhecer a cidade, apaixonou-se. Seu futuro estava comprometido, muita coisa para a cabeça de um adolescente que ainda morava com seus pais. Mas a decisão havia sido tomada sozinha em seu peito.
De volta à tarde de outono, sob seus cobertores, em seu apartamento na capital de seu estado e sem jamais ter saído de seu país, lembrava daqueles momentos inspiradores de seu longínquo passado. Às vezes nem parecia ser ele, era como se visse outra pessoa em uma tela de cinema.
"Heaven, I'm in heaven..." cantarolava enquanto lembrava. Havia pouco tempo que tomara a decisão de conhecer o mundo. Estava com quatro viagens programadas. Aproximadamente cinco anos depois daqueles episódios havia decidido pensar fora da caixa novamente.
O que teria acontecido se ele tivesse ido para a América do Norte já naquela época? Quantas coisas teriam sido evitadas? Quantas teriam sido perdidas? Momentos, desafios, relacionamentos, pessoas... E se ele tivesse tomado rumos diferentes? E se... Isso jamais saberia.
Enquanto olhava pela internet as fotos dos locais onde poderia ter morado, e pensava sobre suas opções, só tinha uma coisa que ecoava fundo em sua mente. O mundo é muito grande para se prender a pequenos espaços e lugares. Pra se prender a passados, e frases que comecem com "E se...". A vida é muito curta para indecisões. Ainda bem que, finalmente, a fantasia estava prestes a se tornar realidade.